Thursday, 7 January 2021

Poema, comentários, bibliografia

1. Poema
OLHOS DE UM MELRO
Os olhos mecânicos de um melro eram as únicas coisas que se moviam na sala. O quadro de Paul Klee desenhava movimentos de um anjo, eram movimentos eternos, insatisfatórios porque não eram efêmeros resolúveis numa fração de segundo. Os olhos porém eram ágeis, falavam, escutavam, eram olhos indagadores. Eu mesmo me imobilizei apavorado perante aqueles movimentos rápidos e impacientes. Sentei-me na cadeira de grande espaldar defronte à escrivaninha. Dobrei a página, deixando o marcador indicando-me a leitura interrompida. Os olhos se detiveram, por um instante. A seguir, desesperadamente recomeçaram seus inteligentes movimentos.
J. B. Sayeg Pantomimas e Animação, 1989.

2. Comentários

Este é um poema para pessoas cultas. Existem algumas sugestões intertextuais, que foram plantadas propositalmente pelo poeta. Gosto bastante deste poema, pois lembro-me do autor lendo em voz alta em um sarau, quando não eram muito comuns, em um evento de poesia falada, algo assim. Vamos a alguns elementos: 1.  melro - referência ao poema de Wallace Stevens. 2. referência aos automatismos sinistros em autores como Hoffmann, não esquecer de Freud em Das Umheimlich. 3. Referência ao poema das Arcadas do Largo de São Francisco, faculdade em que o autor se formou advogado.  "Folha dobrada ...". 


Primeiro, devemos entender o que diz Wallace Stevens.

Among twenty snowy mountains,   
The only moving thing   
Was the eye of the blackbird.   

Entre vinte montanhas nevadas,
A única coisa que se movia
Era o olho do melro. 

- [minha tradução livre, que fiz agora, pode ser igual ou parecida com alguma outra]. 

Vale analisar apenas esse trecho? Acredito que vale. Depois, podem analisar em contexto com o restante do poema. Afinal, são 13 maneiras ... 
O que para mim parece: aponta para a existência daquele mínimo de subjetividade que sempre se manifesta, mesmo que num pequeno detalhe - algo que na prática clínica em psicanálise é muito importante. Enfim, é a subjetividade que pode se manifestar nessa imobilidade e suspensão da vida no rigoroso inverno da sólida montanha. 
No poema de Sayeg, contudo, o movimento - a subjetividade que resiste - não é mais do ente vivo, mas do mecânico (ou eletrônico), esse autômato que é "inteligente" e  '"indagador" - tornado vivo, enfim. 
Está aí implícita uma intencional crítica à modernidade-contemporaneidade, à crescente obsolescência do ser humano, que é a do poeta, do humanismo, das humanidades. A quem só resta "dobrar a folha".

Quando se sente bater
No peito heróica pancada,
Deixa-se a folha dobrada
Enquanto se vai morrer...

(trova acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no Largo de São Francisco, a Sanfran) 

Esta é uma interpretação minha, não sei se o poeta iria concordar. Assinado, Elisa. 



3. A seguir, alguns livros publicados por JB Sayeg 

Permissivo Amor. - poesia  

Cavalos ao Sol. - poesia




Pantomimas e Animação. - poesia
A torre de Mandarino.  - contos
Um canto para Andrômeda. - poesia  

Ele é um poeta intelectual, cujos poemas requerem interpretação ativa. Existem poetas que falam de forma mais simples, ou intuitiva. Não é o caso dele. Pode-se até entender algo numa leitura rápida. Mas uma posterior leitura refletida faz-se necessária. 


Uma parte do último livro está sendo publicada na seguinte página:

E informações bio-bibliográficas estão sendo compiladas neste site: 



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Conto

  Conto de J.B. Sayeg em seu livro A Torre de Mandarino São Paulo: RG Editores, 1999 Embora tenha publicado mais livros de poesia que outros...